sobre o morto

anna brandão
1 min readApr 28, 2022

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penso nos filmes que nunca vou conseguir filmar. quanta coisa por fazer. envelheci dez anos ou mais nesses últimos tempos e agora chorar já não me dói mais tanto. penso nas coisas que deixo de fazer, que sempre deixo de fazer, quando farejo ele me espreitando, como uma fera, como uma besta.

as luzes que piscam no meu teto, nunca vou conseguir capturar o jeito que se piscam com uma câmera fotográfica. eu não paro de enxergar suas mentiras, que caem sozinhas, de velhas, de secas, de mortas. melhor assim. ainda fica por dizer, mas acho que eu também não sou qualquer coisa de diferente.

me pergunto se você também repara.

minha cabecinha doente quer acreditar que o mundo me enxerga de fora pra dentro da mesma forma que eu enxergo de dentro pra fora.

naquela época, você também era um pouco patético usando aquele bigode com as pontas viradas pra cima.

hoje em dia você puxa ferro e eu tenho reparado em cada urubu que atravessa a minha janela (geralmente em pares)

(queria poder te doer em silêncio, mas sinto que minha morte é sempre pública.)

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anna brandão

você devia estar aqui pra ver: minha pele de fora é a mesma de dentro